O Trovadorismo: A Polêmica Literatura Medieval
O Trovadorismo foi a primeira das Escolas Literárias. Teve início na Europa, na Idade Média. Caracterizado pela união da poesia e da música, esse movimento literário produziu as cantigas trovadorescas, classificadas como sendo de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer.
Na Idade Média (476 - 1453), a sociedade estava dividida entre clero, nobreza e o povo. A Igreja Católica exercia total domínio do Ocidente, era detentora da força político-religiosa. Por isso, predominava o teocentrismo (a ideia de que Deus é o centro de tudo).
O domínio da Igreja e o teocentrismo influenciaram muito o Trovadorismo. Nas cantigas de amigo, por exemplo, o amor espiritual é retratado como inatingível.
Naquela época, a maioria das pessoas era analfabeta, e pouquíssimos tinham acesso à educação. Sendo assim, aliar a literatura à música era um excelente recurso! Ficava bem mais fácil memorizar e levar os poemas trovadorescos a todos os lugares e pessoas.
As cantigas de amor e de amigo, focaram no amor e temas a este relacionados: saudade, vassalagem amorosa, conquista, sofrimento e paixão. Já as cantigas de escárnio e maldizer, tinham um caráter bem ácido, e bastante ousado para a época.
Neste artigo, vamos aprofundar um pouco mais nessas últimas cantigas. Seriam elas o início da literatura de estética subversiva?
As Cantigas de Escárnio
Essas cantigas tinham o intuito de satirizar (criticar) alguém. Em outras palavras, o objetivo era depreciar e falar mal, mas, de forma indireta, sem citar nomes. Para isso, eram usados trocadilhos, ironias, sarcasmo, zombaria, e expressões de duplo sentido. As críticas incluíam desde comportamentos sexuais até políticos. Tudo era feito, entretanto, de forma sutil.
Um exemplo, é a cantiga de João Garcia de Guilhade, onde ele ofende e debocha de uma mulher, cujo nome não é citado, mas é chamada por ele de "dona feia".
Leia a seguir:
"Ai, dona feia, foste-vos queixar
que nunca vos louvo em meu cantar;
mas agora quero fazer um cantar
em que vos louvarei de todas as maneiras;
e vede como quero vos louvar:
dona feia, velha e idiota!
Dona feia, que Deus me perdoe,
pois, tendes tão grande desejo
de que eu vos louve, por este motivo,
quero vos louvar já de qualquer modo;
e vede qual será a louvação:
dona feia, velha e idiota!
Dona feia, eu nunca vos louvei
em meu trovar, embora tenha trovado muito;
mas agora farei um bom cantar;
em que vos louvarei de qualquer modo;
e vos direi como vos louvarei:
dona feia, velha e idiota!"
- Na cantiga acima, o autor usa de indiretas, sarcasmo e ironia para falar de uma mulher que reclamava o fato dele nunca tê-la citado ou elogiado em seus versos. Irritado, ele promete então citá-la, porém, quando o faz, refere-se a ela como "feia, velha e idiota".
As Cantigas de Maldizer
Essas cantigas também traziam críticas, entretanto, faziam isso de forma direta e incisiva. Os trovadores citavam nomes, usavam de agressões verbais, linguagem vulgar, grosseira, chula, obscena e, por vezes, pornográfica.
Hoje, talvez não seja tão escandaloso usar uma linguagem assim na literatura, embora ainda possa causar estranhamento e repulsa. Imagine então na Era Medieval, onde a Europa era teocêntrica! Ousadia é a palavra certa para descrever tais artistas.
Leia a seguir a cantiga do autor Afonso Eanes de Coton:
"Marinha, o teu fornicar
me deixa desconcertado,
e ando maravilhado
de não te ver explodir;
pois, tapo com esta minha boca,
a tua boca, Marinha;
e com este nariz meu,
tapo eu, Marinha, o teu;
Com as mãos tapo as tuas orelhas,
os olhos e as sobrancelhas,
tapo-te ao primeiro sono;
Meu pau enche a sua boceta;
e como o não faz nenhum,
e minhas bolas enchem o seu cu.
E você não explode, Marinha?"
- Nessa cantiga, o autor usa xingamentos, linguagem considerada obscena e palavrões para se referir a uma mulher chamada Marinha.
Vejam outra cantiga do mesmo autor:
"Maria Mateu, daqui vou desertar.
De boceta não achar o mal me vem.
Aquela que a tem não quer me dar,
e alguém que me daria não a tem.
Maria Mateu, Maria Mateu,
tão desejosa és de boceta como eu!
Quantas bocetas foi Deus desperdiçar
quando aqui abundou quem as não quer!
E a outros, só fez muito desejar:
a mim e a ti, ainda que mulher.
Maria Mateu, Maria Mateu,
tão desejosa és de boceta como eu!"
- Nessa cantiga, o autor revela, de forma obscena, a rejeição que sofreu por parte de uma mulher de nome Maria Mateu, devido ao fato dela, segundo ele, ser lésbica.
(A tradução das cantigas foi adaptada por Indy Sales.)
Temáticas
As cantigas de Escárnio e Maldizer circulavam entre feiras, tabernas, e diversos lugares públicos, tendo um caráter marginal, porém de muita importância.
As temáticas variavam desde indiretas a outros trovadores até críticas agressivas a comportamentos políticos, sexuais, morais e religiosos. Nobres traidores, prostitutas renomadas, padres de maus costumes e a vida pessoal de outros ou a arte de outros trovadores eram assuntos sempre em alta nessas cantigas.
É importante ressaltar que tais cantigas não devem ser vistas apenas como meras ironias, ou uma "putaria" medieval. Muitas apresentam grande interesse histórico, sendo verdadeiros relatos dos costumes e vícios daquela época, embarcando a corte, bem como os próprios artistas. Muitas envolviam política, podendo até mesmo ser encaradas como armas de combate entre grupos sociais e políticos.
O Trovadorismo foi primeiro dos movimentos literários e poéticos, e refletia todos os costumes da sociedade aristocrática feudal. Sem dúvidas, um movimento extremamente importante!
E você, caro leitor, já conhecia esse lado mais subversivo da literatura medieval, ou acreditava que só de versos de amor viviam os bardos e trovadores?
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Artigo escrito por Indy Sales
Imagens: Google